quinta-feira, 10 de junho de 2010

Solidão

O vento uivando, portas batendo, o barulho dos trovões ecoando nos ouvidos, sombras de árvores entrando pela janela, pessoas correndo na rua querendo chegar logo em suas respectivas casas, buzinas, o ruído da chuva que caia sem cessar, essas e outras infinitas peculiaridades caracterizavam aquela noite.

Há horas estava feito uma estátua virada em direção à janela. Respirava fundo, mas calmamente. Deixara as lágrimas rolarem uma a uma, num silêncio de adormecer qualquer um. Aqueles olhos cor de mel estavam cansados, as pálpebras ficavam fechadas durante alguns segundos quando piscava, parecendo que não iriam mais abrir-se novamente. Era assim durante todo o inverno, em um dia qualquer, aleatoriamente escolhido por sua mente inconformada.

Havia preparado duas torradas, passando uma breve camada de manteiga sobre elas. O café que havia sido preparado tão calmamente fumaceava, enquanto podia-se ouvir os assovios da chaleira que estava no fogão. Sentada sobre a mesa velha e sem toalha, colocou duas colheres de açúcar, e rodava a colher dentro da xícara.

Dava olhadas escondidas para o relógio que estava no canto da parede, encolhida com seus braços apoiados sobre suas pernas, baixinho cantarolava canções de ninar, e as lágrimas começavam a descer feito uma forte correnteza num campo livre, verde e sereno.

Ela foi até o banheiro e começou a preparar a banheira com água quente, enquanto terminava de comer as torradas e bebia o resto do café já quase frio. Passando a mão sobre a água quente, tentava ouvir a voz... Mas era respondida com a chuva e a solidão vinda do quarto. Enquanto esperava a banheira encher, levantou-se e foi até o quarto. Seu coração era tomado de dor, e dentro dele pulsava a saudade. Envolvendo a si mesma com seus braços, recostava-se a parede gelada e observava os bonecos que zombavam de sua tristeza, seus olhos passavam devagar pelas roupinhas dobradas sobre a estante.

Era essa a dor de todos os invernos, a dor que pedia por remédios para que o sono viesse. A dor de não saber para onde foi, de não saber como está, de imaginá-lo daqui há alguns anos em um pequeno canto da floresta próxima, pegando a chuva, a neve, o sol. Mesmo sabendo que ele nunca mais iria voltar. Tudo que ela desejava no mundo se resumia a uma coisa: Ver o menino molhado passando pela porta. Uma simples rua molhada fez ir embora o motivo de cada respirar seu. Mais um longo sussurro e novamente estava ela deitada, e sozinha na cama macia de seu falecido filho amado.

6 comentários:

  1. Nossa que lindo, quantos detalhes, é possível imaginar perfeitamente a cena, parabéns =)

    ResponderExcluir
  2. Me impressionei. Com o conteúdo e com o final inesperado. Talvez seja um pré-conceito, prefiro crer que seja um conceito formato, mas quando comecei a ler, pensei: 'mais uma história sobre um relacionamento que não deu certo'. E, felizmente, eu estava errado. Ao terminar, recomecei. Ótima descrição do trabalho do luto, como já disseram, detalhada. Simples e sensível. Parabéns.

    ResponderExcluir
  3. Adorei esse texto :D Parece que eu estava vivendo a cena com tantos detalhes. haha *-*

    ResponderExcluir
  4. Oh, meu bom Deus. Como você escreve com tanta delicadeza... sinto como se eu estivesse ali, junto com ela, em silêncio, apenas ouvindo lamentos, vendo lágrimas. Sinto que estou a ponto de chorar. Não há nenhum véu sobre o seu texto. Estou impressionada.

    ResponderExcluir
  5. Adorei o post! E fiquei emocionada ao ler, compartilhando de tais sentimentos. Tanto que criei uma personagem toda misteriosa e estou trabalhando nela. E fiquei horas o procurando para relembrar os detalhes.
    Caso se interesse, mando-te meus rascunhos.
    Texto lindo, suave e marcante.

    ResponderExcluir
  6. Caramba! É o tipo de texto que me faltam palavras pra formar um elogio a altura. Estou espantada! Que texto intenso, meu causou calafrios. Triste mas lindo! Muito bom mesmo.

    ResponderExcluir

Silêncio

  Ele corria além do limite de velocidade. O sol brilhava ao fim da estrada e o relógio marcava 14h05min. Em seu emaranhado de pensamen...