segunda-feira, 26 de abril de 2010

Velório Ensanguentado

Era uma tarde chuvosa, e ela sabia que logo a sirene viria — ela era uma mulher alta, branca, e os sinais da velhice apareciam nitidamente em seu rosto. Seus olhos verdes eram como duas florestas escuras que escondem em si mistérios. Depois de muito tempo ouvindo a chuva, caminhou até o quarto e pegou um vestido preto que batia nos joelhos e que as mangas cobriam os ombros e o vestiu. O penteado era comportado e elegante. Nela havia ar de assombração, e o batom escuro veio a calhar. O motivo da cerimônia: Chegar ao alto da janela do apartamento e ver o mundo morrendo. O velório particular dela estava com previsão de término para meados de quando as pessoas se destruíssem e não sobrasse nada além de poeira.
A sirene enfim chegou à sacada, começando a fazer feridas no coração da mulher que ali estava. O olhar dela era de uma viúva que acabara de perder o marido amado, e que ele tivesse levado consigo parte dela. As luzes que alcançavam o sétimo andar passavam por seu rosto e já penetravam em seus olhos, queimando-os. De repente, todo o seu medo foi transformado num ódio brutal, e sentira a amarga vertigem de querer se vingar. Ela não ganharia o mundo, mas saciaria seu objetivo.
O único jeito de se vingar era morrer, e então a violência não teria platéia. Já decidida, caminhou até a cozinha e pegou uma faca. Chegou a ver seu reflexo nela, e logo depois veio o alívio. Ela estava morrendo. Já tinha caído de joelhos com o objeto de metal enterrado em seu peito e as mãos estavam firmes em volta do cabo.
Já dava para se ouvir o pisar frenético dos pés pelas escadas. Eram passos rápidos e categóricos que subiam os degraus para socorrer mais uma vítima. Era o trabalho deles. Ela ouvia de longe vozes, viu vagas luzes em sua cara. Os salvadores de vida chegaram enfim ao seu apartamento, mas não a tempo de ela mudar de ideia sobre morrer. Pelo menos a morte ela havia escolhido. Pensava naqueles que ao menos puderam escolher, e inocentemente morreram. Foi um lindo martírio, mas infelizmente ela estava a caminho de um lugar bem pior do que aquele mundo. Foi triste para todos que sabiam disso. Adeus para mais uma vítima da violência.

Um comentário:

Silêncio

  Ele corria além do limite de velocidade. O sol brilhava ao fim da estrada e o relógio marcava 14h05min. Em seu emaranhado de pensamen...