sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Lágrimas entorpecidas

Ela havia acordado no meio da madrugada, no meio da escuridão. Estava suando. Percorreu a casa a procura de alguém dormindo, olhou cada cômodo, mas estavam todos vazios, então seu coração disparou e a boca abriu-se num baque, desnorteada. Uma onda de desespero a dominara. Devem ter me abandonado – pensou ela assustada. Não queria aceitar de jeito algum aquela idéia. O estado de choque a deixara sem reação, e agora ela parecia estar embriagada com a conclusão que havia chegado. Deu um passo desajeitado e de repente lembrou-se que estava havendo uma pequena comemoração em sua casa, um andar a cima; mas o sono havia chegado e ela não hesitara em ir para seu quarto. Lembrou-se perfeitamente de sua pequena família reunida ao redor de uma redonda mesa de vidro, jogando papo fora, comendo petiscos e bebendo vinho. Exatamente como sempre faziam nos dias frios. Estava aliviada e com certa esperança; mas, infelizmente, como esperado, tudo converteu-se em terror ao terminar de subir as escadas. De uma porta entreaberta, viu um clarão abafado. Caminhou até ela e escancarou a detalhada peça de madeira. O salão estava lambido em fogo. Covardemente, agora aquele cenário tomava conta de sua frágil mente, sufocando suas esperanças. Não sabia como acontecera aquilo, mas o que estava diante de seus olhos era real. A vontade dela era de mergulhar naquele mar vermelho para ver se encontrava sua família e tentar tirá-la de lá — ou para simplesmente juntar-se a ela.

As chamas a chamavam, faziam um convite assustador. Irrecusável. Penetravam inconfundíveis os olhos da menina hipnotizada. Só precisava de um empurrãozinho para juntar-se eternamente em cinzas à sua família. Definitivamente.
Não estava decidida, mas não sabia o que fazer. Seu corpo fraco inclinou-se para o grande monstro que a envolvia com seu hálito quente. Mas antes que seu fim estivesse decidido, duas mãos firmes surgiram e a seguraram pelo braço com determinação e tristeza. Ela virou com uma expressão de pavor na face — pensava que era a única ali. Era seu pai, o olhar emocionado, o cenho desapontado. A filha retribuiu o olhar com lágrimas pesadas que faziam desenhos na face de porcelana. Tinham que sair do meio daquele inferno, então o pai segurou a filha pela mão e começou a caminhar em direção à porta. Ela o acompanhou e deu uma última olhada para trás. Olhando seu olhar podia-se ter certeza que estava se despedindo. Não os veria mais. As lembranças teriam de ficar restritas à mente, pois todas as fotos, tudo foi destruído pelo fogo. Ela não sabia se conseguiria se livrar daquela cena mesmo. Deixou mais uma lágrima cortante cair e partiu.

Um comentário:

Silêncio

  Ele corria além do limite de velocidade. O sol brilhava ao fim da estrada e o relógio marcava 14h05min. Em seu emaranhado de pensamen...